Houve um tempo em que o mês de junho era feito de festas. E que festas boas eram aquelas que aconteciam na nossa escola!
Na pequena cidade de Tapes, onde morávamos, às margens de grandiosa lagoa, a escola onde todas as crianças da nossa família aprenderam a ler e escrever ficava a pouco mais de uma quadra de casa. E era feito de tranquilidade e segurança aquele caminho diário até o Colégio Nossa Senhora do Carmo.
Rua atravessada, passando a loja de boas roupas e a bonita morada do médico que nos tratava com chá de losna e sal-amoníaco de mês em mês, era só dobrar a esquina que já estávamos chegando. E quando acabava aquela breve e costumeira viagem infantil, desembarcávamos em um mundo novo, com suas lições e aventuras, as primeiras que aconteciam além do colo afetuoso da mãe e do bom armazém do pai.
De nada tínhamos receio, naqueles dias de infância e estudos no colégio das freiras. Temas de casa feitos, a vida apenas seguia seu curso natural e calmo, marcada por alegres horas que pareciam recreios, brincadeiras na calçada, cantorias ao som de gaita e violão depois de cada jantar, missas nos domingos.
Na aprendizagem à moda antiga da nossa escola, havia muito mais do que o simples b + a = ba e as continhas, ultrapassávamos os limites das rezas matutinas e dos ensaios de boas maneiras, dos cuidados para não cometer pecado sublinhados de vermelho em nossos bem-encapados cadernos de religião. Havia campeonatos esportivos, teatro e dança; CTGs e cursos de idiomas; animadas festas eram promovidas para reunir as famílias.
De todos os acontecimentos importantes daqueles anos de cartilhas e boletins estrelados, o mais esperado pela criançada tinha data e local marcados: em junho, na festa de São João organizada pela escola.
Aquelas mulheres cheias de quietude, que nos ensinavam a rezar e a escrever poesias, cabelos escondidos debaixo de rígidas toucas brancas, véus escuros e sem transparência emoldurando rostos pálidos, lá pelas tantas, faziam a esperada fila em direção à fogueira que marcava os festejos.
E no inacreditável momento que já era aguardado por todos, segurando os longos mantos de tecido preto, cordões grossos carregando exagerados rosários amarrados na cintura, elas pulavam a grande fogueira com extraordinária competência.
Além da admiração geral, a cada salto espetacular, sem ao menos chamuscarem os pesados hábitos, as nossas professoras freiras recebiam aplausos de pais e alunos. E gritavam, na aterrissagem daqueles voos perfeitos:
Viva São João!
* Coluna em homenagem (póstuma) ao meu irmão João Carlos Andriotti Silveira, que nasceu no Dia de São João.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 23/6/23