Naquela infância antiga em que vivíamos, a Páscoa não era feita apenas de ganhar chocolates. Prova disso é que nas cestas trazidas pelo Coelhinho, envoltas em papel celofane que fechava com laço de fita, havia palha seca, ovos de açúcar, coelhos feitos de marzipã e de pão de mel, e uma meia dúzia de ovinhos de chocolate.
Em nossas preces de criança, pedíamos a Deus que intercedesse por nós junto ao Coelhinho, para que ele entendesse melhor o nosso desencanto com os ovos brancos feitos de açúcar, que eram lindamente decorados com enfeites coloridos, mas não se comparavam, em sabor, aos de puro chocolate.
Na verdade, o que nos encantava durante aqueles dias especiais da semana pascal, mesmo que não entendêssemos direito, era o véu de mistérios que parecia se estender sobre nossas vidas, a alternância de quietudes e risos, a sensação do dever familiar a ser cumprido por todos nós.
Em vez de escola de manhã, brincar e jogar bola no pátio de casa de tarde, havia rezas e missas bem mais do que o normal. E ramos benzidos, santos cobertos com panos roxos, procissões com velas acesas; mães, tias e avós usando véus de renda sobre os cabelos, homens carregando seus chapéus entre as mãos.
Na Sexta-feira Santa, nossa casa nem parecia aquele lugar de tantas pequenas faceirices de dias comuns. Silenciávamos em sinal de respeito e de tristeza, porque era assim que os cristãos faziam mundo afora. Orientados pela mãe dias antes, não cantávamos nem ríamos em voz alta, apenas rezávamos, pedindo misericórdia pelos nossos pecados.
É claro que, vivendo no planeta infância, de vez em quando nos esquecíamos do dever cristão, e alguém ligava o rádio ou colocava um disco para tocar. Mas nossa mãe, muito atenta, sempre querendo nos livrar de todo mal, amém, pedia que voltássemos a ficar em silêncio. E nós, sentindo que havia muito amor envolvido naquele manifesto materno, finalmente compreendíamos o significado da palavra arrependimento.
No Sábado de Aleluia, vozes e criancices desde cedo se espalhavam pela casa, dando sinais de que a velha e boa rotina estava voltando. Na Igreja, beijar os pés do Cristo morto, despedir-se d’Ele sem alarde e rezar mais um pouco. Para depois retornar à casa e esperar pelo terceiro dia pascal, quando a ressurreição aconteceria, fazendo-nos crer ainda mais no extraordinário milagre da vida.
Eis que chegava o Domingo de Páscoa, missa e família reunida para o almoço festivo, pequenas faceirices de novo tomando conta de tudo. Ovinhos de açúcar e de chocolate, coelhos de marzipã e de pão de mel, ninhos esvaziados para escolher a sobremesa. Trazidos pelo inesquecível Coelhinho da Páscoa, simbolizando a esperança renascida pela fé em Cristo.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 15/4/22