Reza a lenda que na preleção para o jogo do Brasil contra a União Soviética na Copa da Suécia, em 58, o técnico Vicente Feola emendou uma interminável série de recomendações sobre quem marcava quem, quem recuava para que o outro avançasse, quem cruzava, quem recebia. Na prancheta, tudo parecia impecavelmente solucionado (e realmente estava). Foi quando Garrincha, com seu jeito de ingênua malandragem, teria feito a pergunta que – mesmo ainda num mundo sem internet – viralizou ao longo de todas essas décadas: “O senhor combinou com os russos?”. Naquele jogo, o Brasil venceu por 2 a 0 com grande atuação do Mané.
Pois então, 64 anos depois faltou Tite combinar com… os croatas. Não existe mais a prancheta. Agora a preleção é no tablet. E o Brasil acabou sendo o Brasil na Copa do Catar. A Croácia, vice-campeã de 2018 e herdeira do organizado e eficiente futebol iugoslavo mandou para casa um time ‘meio irresponsável, meio sem comando’. Muita tatuagem, muito brinquinho de ouro, muito cabelinho na régua, muita chuteira verde limão, muita dancinha e… pouco comprometimento. Eu não me sinto à vontade para dizer que faltou futebol (o gol de Neymar contra essa mesma Croácia aos 15 minutos do primeiro tempo da prorrogação, me desmentiria). Faltou, sim, comprometimento.
Nas redes sociais, pipocam vídeos que mostram Neymar após o gol brasileiro, alertando seus companheiros que, uma vez vencendo por 1 a 0 e restando poucos minutos para terminar, não havia mais necessidade do time atacar em bloco como estava acontecendo. Foi em vão. No gol de empate, a Croácia rouba a bola, aciona o seu contra-ataque num ímpeto de desespero com quatro homens em velocidade e desfere seu único chute em gol depois de ficar uma hora e meia acuda. Nesse lance, restam apenas quatro homens na nossa confusa zaga, além do goleiro. Ou seja, havia seis jogadores brasileiros atacando, tentando fazer um gol desnecessário a três minutos da classificação.
Horas depois do Brasil ser despachado, a Argentina empatou seu jogo contra a Holanda em 2 a 2 no tempo normal e na prorrogação. Com isso, a decisão também foi para as penalidades. Pergunta: quem cobrou o primeiro pênalti para a Argentina??? Sim, ele mesmo: Lionel Messi. Essa é a hora do líder mostrar que é líder. Quando o Brasil foi para os pênaltis contra a Croácia, quem cobrou o primeiro pênalti brasileiro? Rodrygo, um guri de 21 anos, reserva, primeira vez disputando uma Copa do Mundo. A propósito: quem é Rodrygo??? Onde estava o treinador que não chamou ‘os cascudos’ Neymar, Thiago Silva e Casemiro para iniciarem as cobranças??? Menos mal que Modric, Perisic e seus companheiros de time ficaram em campo consolando os injuriados rivais abatidos. Sim, porque o nosso treinador imagino que tenha tido uma dor de barriga do tipo ‘cólica fulminante’: saiu correndo para o vestiário quando Marquinhos ‘fez o favor’ de errar o pênalti que ajudou a nos tirar da Copa…
Em 2014, a Alemanha nos massacrou (e isso que estávamos em casa e os alemães usaram todos os requintes de humilhação e crueldade que o futebol pode aplicar). Depois, na Copa seguinte, foi a vez da Bélgica nos dizer ‘bella ciao, bella ciao’. E semana passada, a Croácia. A mesma Croácia que quatro dias depois levou três da Argentina na semi-final. Aliás, alguém percebe falta de comprometimento no time da Argentina?
Não é todo dia que nasce um Pelé, um Garrincha, um Rivelino, um Romário, um Rivaldo, um Ronaldo… quanto mais dois Ronaldos que possam jogar no mesmo time e desmontar defesas sólidas e desnorteadas que mais parecem garotos ingênuos disputando um torneio de inter-séries. Para que o Brasil volte a ser campeão do mundo falta combinar muita coisa com muita gente… Principalmente combinar alguma coisa com os deuses do futebol.
Daniel Andriotti
Publicado em 16/12/22