Nas conversas presenciais que aconteciam depois daqueles antigos almoços na casa materna, em volta do fogão à lenha, eu sempre fui atenta aprendiz. Gostava de ficar por perto para ouvir tudo o que os mais velhos diziam, observá-los em suas concordâncias e contrariedades. Minha intuição juvenil e a vontade de saber mais sobre o mundo me seguravam feito âncoras naquela cozinha. Verdade seja dita, também o frio que fazia lá fora.
Certa vez, todos saboreando arroz de leite com canela, esperando pelo bom café passado na hora, surgiu um termo que eu jamais ouvira antes.
Falavam sobre assuntos diversos, os irmãos e os primos; promessas feitas por políticos, contratações de técnicos pelos grandes times de futebol, viagens longas de navio, compras de carros novos. E nas razões pelas quais era preciso ter muito cuidado antes de fazê-las.
De repente, ouvi uma das explanações mais interessantes daquele início de tarde. O primo mais velho, referindo-se aos perigosos e repentinos caminhos que a política pode tomar, disse que, mais dia menos dia, as consequências chegam para quem prometeu e não cumpriu. “É como abraçar um urso!”, sentenciou.
Um silêncio questionador e filosófico tomou conta do debate, fazendo as vezes da espera pela tradução daquele dito. Ouvia-se apenas o estalar da lenha recém colocada no fogo, o tilintar das colherinhas a mexerem os cafés, o minuano cantando lá fora. Até que o criador daquela figura de linguagem retomou seu discurso.
“Vocês sabem por que a gente nunca deve tomar a iniciativa de abraçar um urso?”, perguntou. E, diante do silêncio que outra vez se deu, ele explicou. “Porque, quando a gente abraça um urso, não é mais a gente que decide quando o abraço termina. É o urso”, concluiu.
Foi geral o movimento de concordância das cabeças, todos haviam entendido a comparação. As conversas foram retomadas, e a metáfora, outras vezes citada.
Falaram sobre posturas a serem evitadas na política, como prometer o que não se sabe como nem quando será possível cumprir. Pois, com o tempo, o desgaste acontece, e os prejuízos chegam para a própria pessoa. É como abraçar um urso, concordaram. E cada um explicou do seu jeito: quando alguém abraça um urso, não é ele que decide a hora de desabraçar; é o urso.
Seguiram-se outros depoimentos, como a contratação de um técnico de futebol por muito tempo; a decisão de fazer um longo cruzeiro marítimo com a família; e até comprar carro novo apenas com a promessa de melhoria salarial. A conclusão se repetiu.
É como abraçar um urso. Porque não é a gente que decide o momento de desabraçar, quem decide é o urso.
Cristina André
cristina.andre.gazeta@gmail.com
Publicado em 03/6/22