Dia dos Bobos

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No reino encantado da minha infância, os calendários marcavam um dia muito especial, todo dedicado a inventar histórias e pregar peças nos irmãos e nos amigos. Entre o carnaval e o dia do índio, logo depois do feriado de 31 de março (revolução de 1964), enfim chegava o primeiro de abril, conhecido como dia da mentira, também chamado de dia dos bobos.

Março encerrado, aproveitávamos ao máximo aquelas novíssimas 24 horas em que mentiras infantis podiam e deviam ser ditas; era quando nossas pequenas distorções da verdade, em vez de serem repreendidas, até recebiam elogios, provocando risos soltos.

Ainda bem cedo, antes do café da manhã, a brincadeira já rolava solta lá em casa. A mãe, em quem acreditávamos sem pestanejar, dava a notícia de que não haveria aula. Distraídos, perguntávamos se era feriado de novo, ao que ela respondia, sorrindo: primeiro de abril. E ríamos todos.

Na escola, durante o recreio, dizíamos para o colega desatento que a diretora estava a sua procura com cara de poucos amigos. Quando ele retornava, trazendo o desmentido na face, era recebido com o ingênuo e bem-humorado grito de “primeiro de abril”, seguido de muitas risadas.

E foi em um desses primeiros de abril que, provocada pela nossa curiosidade, a professora explicou sobre a origem da data, o porquê das pessoas mentirem umas às outras naquele dia específico. A nova lição, sobre o dia dos bobos, prendeu toda a nossa atenção.

Ela nos contou que tudo teve início na França, no século dezesseis. Quando chegava a primavera para os franceses (outono, para os brasileiros), durante uma semana inteira aconteciam festejos (de 25 de março até 1º de abril), porque um ano novo começaria. Mas, quando o Rei Carlos IX decidiu adotar o calendário gregoriano, ficou determinado que a passagem de ano não seria mais comemorada no dia primeiro de abril, mas no primeiro de janeiro.

E como toda mudança cultural, aquela também sofreu resistência. Diversas famílias francesas seguiram recebendo o novo ano em 1º de abril, de acordo com o antigo calendário. Atitude conservadora contrárias às normas reais para a qual não faltaram críticos. As famílias que não aceitaram a mudança, então, começaram a receber convites para festas que não aconteceriam e presentes esquisitos como forma de deboche. E o primeiro de abril passou a ser chamado de dia da mentira; ou dia dos bobos.

Aquela aula foi muito boa, gostamos da nova lição sobre a data que tínhamos licença da família e da escola para pequenas mentiras apenas por diversão. Ideia dos franceses, vejam só, os mesmos que encantavam mães e professoras com seus bons perfumes e sua moda sofisticada.

Era assim que vivíamos no antigo reino encantado da minha infância; sem computadores nem celulares, brincando de esconder e jogando bola na calçada, divertindo-nos na simplicidade de uma desmedida ingenuidade. Quando as mentiras somente eram aceitas em data especial, depois do carnaval e antes do dia do índio, logo após o feriado revolucionário de 31 de março. No primeiro de abril, que ficou conhecido como dia da mentira, também chamado de dia dos bobos.

Cristina André

cristina.andre.gazeta@gmail.com

Publicado em 31/3/23

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