Destros, Canhotos, Isentos e Hipócritas

0
COMPARTILHAMENTOS
9
VISUALIZAÇÕES

Lá pelo início dos anos 90, a maioria dos meus colegas de universidade – mesmo sendo a Unisinos uma instituição privada – era de esquerda. Ok, eu cursava comunicação, né? Campo fértil para os simpatizantes de Che Guevara e de teorias como “Se hay gobierno, soy contra…”. Até aí, tudo certo.

Só que eu tinha alguma dificuldade de entender aquilo pois numa pesquisa informal, descobri que aquelas ‘lideranças de esquerda’ não trabalhavam, moravam com os pais em bairros nobres de Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo; iam para a aula em bons carros e ostentavam uma tecnologia cara e recém lançada, portanto para poucos mortais, chamada telefone celular.

Eu tinha que trabalhar para pagar os caríssimos boletos da Unisinos e ia para a aula de ônibus. Muitas vezes, por ‘restrições orçamentárias’ precisava optar entre fazer um lanche ou comprar os ‘polígrafos’ com os conteúdos que iriam ‘cair na prova’. E esses colegas, ‘atentos’ às dificuldades como as minhas, faziam discursos inflamados contra a desigualdade social. E eu pensava: “Onde foi que perdi o trem dessa história???”. Em tempo: aquele ainda era um momento de debate menos polarizado. Portanto, desde sempre, esse modelo de hipocrisia atrapalha e empobrece o entendimento da realidade.

Há um certo consenso entre cientistas políticos de que a esquerda reúne progressistas, ambientalistas, socialdemocratas, socialistas, comunistas e anarquistas; enquanto que a direita reúne neoliberais, conservadores e reacionários que normalmente aceitam a desigualdade social como inevitável, natural ou desejável. E ainda tem os que não toleram uma coisa nem outra. Para os ortodoxos, esses são os ‘isentões’…

Todas as correntes ideológicas possíveis e imagináveis, enchem a boca para falar na tal da democracia. No entanto, desconversam quando algum tipo de ditadura lhes soa como ‘simpática’: a direita, volta e meia, recorda com saudades do tempo em que o regime militar imperava no Brasil. A esquerda finge não saber que países como Cuba, Venezuela e China, por exemplo, seguem sendo governados por ditadores intransigentes e que, dependendo da direção do vento, cerceamento de liberdade, principalmente de expressão, é ‘algo aceitável’.

Meus caros leitores, não vejo alternativas fora da democracia. Ela erra, exagera, é barulhenta, incomoda, produz vitórias e derrotas. Mas é a única forma de compatibilizar interesses e solucionar conflitos. Outro dia li um artigo na Revista Piauí em que a autora revelava seu desconforto com um país do leste europeu, em que famílias eram segmentadas por opiniões políticas e amizades desfeitas por divergências eleitorais. Hoje, vivemos dias muito semelhantes no Brasil, em que o contestador tem que ser aniquilado e o adversário tratado como inimigo. O bom senso perdeu lugar para o radicalismo e a intransigência. Democracia exige tempo, conversa, parcimônia, paciência, consenso. Só ela é capaz de nos tirar do buraco onde estamos metidos.

E para finalizar as definições de destros e canhotos, encontrei uma expressão num livro do filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé que serve como uma luva no mundo atual. Ela diz: “Um país é de direita quando todo mundo resolve ir para lá, mas ele controla a entrada. Um país é de esquerda quando todos querem fugir de lá, mas ele controla a saída”.

Daniel Andriotti

Publicado em 21/2/25

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine o jornal digital da Gazeta Centro-Sul e leia de qualquer lugar! Acessar X