Desigualdades matam

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O mundo ficou mais pobre com a pandemia. Bem mais pobre, diga-se de passagem. No entanto, a matemática é uma ciência exata. O dinheiro, por exemplo, não desaparece. Ele apenas muda de dono…

Sim, leitores, nesse mesmo mundo um tanto quanto mais pobre tem quem não esteja reclamando. Poucos, é verdade, mas tem. É o caso de uma meia dúzia de multibilionários que conseguiu dobrar suas já exorbitantes fortunas em meio ao caos. Meia dúzia, não. Dez, para ser mais preciso. E não foram exatamente os donos dos laboratórios que produzem vacina, nem os fabricantes de máscaras ou de álcool em gel ou de equipamentos para ventilação mecânica.

Existe uma ONG chamada Oxfam International cujos integrantes lutam bravamente há algum tempo contra a miséria e a pobreza no planeta. Trata-se de uma organização com 3 mil parceiros em mais de 90 países. Ela identificou que – há exatos dois anos – a renda de 99% da humanidade encolheu em progressão geométrica e aritmética enquanto que as dez pessoas mais ricas que se tem conhecimento dobraram (ou triplicaram, quadruplicaram…) suas fortunas desde que a Covid 19 foi elevada ao nível de pandemia. E quem chancela esse levantamento sobre os ricaços do planeta não é a ONG Oxfam: é a revista Forbes, a mais influente publicação do mundo na área de negócios e economia. Segundo a Forbes, cerca de U$S 13,8 trilhões estão nas mãos (ou no patrimônio e nas contas bancárias) de Elon Musk, da Tesla; Jeff Bezos, da Amazon; Bernard Arnaud, da LVMH; Bill Gates, da Microsoft; Mark Zuckerberg, da Meta/Facebook; Waren Buffett, da Berkshire Hathaway e Larry Ellison, da Oracle. Com exceção da LVMH, que é francesa, as demais são todas norte-americanas, é lógico. A verdade é que esse seleto grupo ficou cerca de U$S 8 bilhões mais rico desde que a Covid começou a infectar e matar seres humanos. Eles fizeram algo ilegal, ilícito, desonesto? Não. Injusto, talvez, até que se prove o contrário. Apenas utilizaram a pandemia para impulsionar os seus já bem-sucedidos modelos de negócios.

Não há nada de errado com quem é bilionário e construiu o seu próprio império com arrojo, inteligência, talento, trabalho, honestidade. Não foram exatamente esses dez que estabeleceram o círculo vicioso em que se encontra a atual miséria internacional. No entanto, o mundo não é uma ilha. Nos últimos dez anos, a desigualdade transformou-se em um dos desafios mais complexos e desconcertantes da economia mundial. Fenômenos dessa grandeza são sistêmicos e contribuem, por exemplo, para a morte de milhares de pessoas por falta de acesso aos tratamentos de saúde, à violência de gênero, à fome e aos fenômenos climáticos. Não precisamos ser economistas para saber que a concentração de riqueza nas mãos de poucos resulta na carência absoluta da maioria que está na parte de baixo dessa pirâmide. E precisamos acima de tudo e de uma vez por todas apagar a ideia de que reduzir a desigualdade é pensamento de esquerda ou coisa de comunista.

Corta a cena para o Brasil: desequilíbrio social é com a gente mesmo. Apesar do crescimento da renda nos últimos 10 anos antes da pandemia entre as pessoas mais vulneráveis e extremamente pobres, nosso país é apenas mais um dos que não conseguem diminuir o abismo entre ricos e pobres. Estamos entre as 10 nações mais desiguais do mundo ou a segunda maior concentração de renda num ranking entre 180 países. Daí veio a pandemia. Como não poderia deixar de ser, toda e qualquer desgraça escancara o seu lado mais cruel com quem já tinha pouco ou quase nada. E por aqui a peste chinesa foi ainda mais letal: ela matou a ciência, exterminou a razão, liquidou com o bom senso, necrosou a medicina, dilacerou a ética e estabeleceu a canalhice…

Simples assim. Principalmente num ano de eleição…

Daniel Andriotti

Publicado em 4/2/22

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