A goianense Cora Coralina (1889-1985), um dia, escreveu:
“Mesmo quando tudo parece desabar,
Cabe a mim decidir entre rir ou chorar,
Ir ou ficar,
Desistir ou lutar.
Porque descobri, no caminho incerto da vida,
Que o mais importante é o decidir”.
Decisões difíceis e complicadas… só para os fortes.
Decidir, decidir, decidir. Decidir que é preciso deixar tudo para trás, incluindo um rastro de dor e abandonar – vejam a ironia do destino, a casa, nosso derradeiro ‘porto seguro’ – no meio da madrugada, com a família pela mão, vestindo somente a roupa do corpo. O resto fica. Principalmente as lembranças. E quem nos acompanha? a insegurança, a desilusão, a tristeza, o medo.
Eu e milhares de gaúchos tivemos que tomar essa difícil decisão há pouco mais de 15 dias aqui no continente de São Pedro. Lhes digo, afirmo e repito: não é fácil. A resistência em ficar até o último instante só é vencida pela… decisão!!! Decisão de sobreviver…
A tragédia que atualmente atinge o bravo e guerreiro povo gaúcho pode ser um exemplo acabado da estupidez humana que por vezes ignora os alertas científicos relacionados aos eventos climáticos. Certamente haverá os que argumentem que tragédias ambientais são fenômenos meteorológicos mais ou menos regulares. É verdade. Difícil de entender é exatamente a frequência com que se repetem mundo afora, Brasil adentro.
Perdemos, todos nós, tanto em tão pouco tempo. Mas a vida nos ensina a ser resilientes. Duros. Corajosos. Não há outro jeito. Tenho um grande amigo, professor, oceanólogo e que conhece como poucos no mundo a magia e as ameaças do mar. Diante de alguma situação difícil ele sempre repete o milenar provérbio de origem indiana: “águas calmas nunca fizeram bons marinheiros”. De forma alusiva, ele traduz, literalmente e de maneira simples que a nossa vida é preenchida por uma infinidade de experiências e imprevistos que irão nos afetar de alguma maneira. Mais cedo ou mais tarde. Aqui ou logo ali na frente. Alguns deles podem nos desnortear, desorientar, tirar o equilíbrio. Para tanto, é preciso estar atento e forte. Mais razão e menos emoção…
As enchentes no Rio Grande do Sul trouxeram destruição e sofrimento para muitas famílias, mas também destacaram a força do voluntariado. É bem possível que nunca os governos fizeram (ou não?!?!?!) a sua parte e apareceram tão pouco. Perderam o protagonismo para a solidariedade de milhares de pessoas comuns e algumas celebridades, que saíram em socorro de gente fragilizada. No coração da prática solidária está o princípio fundamental e inegociável da consideração de uns para com os outros. Isso faz a empatia do povo brasileiro ser implacável em meio à tragédia.
Há um juiz chamado tempo que coloca tudo no seu devido lugar. Por isso é que na nossa existência, ele, o tempo é valioso. É dentro dele que contaremos a nossa história. É dentro dele que fazemos a vida acontecer… basta que tomemos sempre a decisão de sobreviver.
* * *
E para descontrair um pouco as amarguras desse momento, digo a quem me procura que estou vivendo uma fase ‘artista de cinema”: eu, assim como Tom Hanks, atuando em “O Náufrago”; e meu carro desempenhando o papel do “Titanic”.
Daniel Andriotti
Publicado em 24/5/24