“Socorram-me subi no ônibus em marrocos”.
Calma leitor. Antes de qualquer julgamento sobre a minha sanidade mental, leia a frase acima de trás para frente…
Aprendi a ler e a escrever lá pelos cinco ou seis anos de idade. Cedo até, considerando que isso aconteceu na metade dos anos 70. Hoje, as crianças já nascem acessando o Google e navegando nas redes sociais. Comecei cedo porque tenho duas irmãs que nasceram antes de mim e que ‘brincavam’ de dar aulas em casa, sendo que o único aluno da classe era eu. Graças a elas, não dei muito trabalho aos professores nos meus primeiros anos escolares.
Num determinado momento desse aprendizado ‘achava engraçado’ ler palavras e frases de trás para frente, coisa que minha mãe, coitada, odiava, pois pensava que eu estava falando uma outra língua, incompreensível para ela. O fascínio de quem é assim pode estar associado ao fato de que somos atraídos pela simetria. A psicologia dirá que se trata de uma espécie de TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo. Não julgo porque admito que mantenho esse hábito até hoje. E minha filha, fisioterapeuta, é parceira no devaneio. Mas somente agora – e através dela – descobri que isso tem um nome: palíndromo!!!
A palavra vem do grego: palin (novo) + dromo (percurso). Segundo o dicionário Houaiss, “diz-se de frase ou palavra que se pode ler, indiferentemente, da esquerda para direita ou vice-versa” sem que mude o seu sentido. Isso faz com que os palíndromos sejam conhecidos como anacíclicos para que, na hora da leitura, possamos ignorar acentos e espaços, levando-se em conta apenas as letras. Eles, os palíndromos, são recursos de estilo bastante utilizados por músicos e poetas. Na primeira frase da canção “Joquim”, por exemplo, Vítor Ramil diz: “Satolep, noite, no meio de uma guerra civil…”. Satolep, caso você ainda não tenha se dado conta, é Pelotas, a terra natal do compositor. Já Caetano Veloso tem uma música onde ele canta, repetidamente, no refrão: “Irene ri”. Agora, leia ‘Irene ri’ de trás para a frente…
Por isso o grande – e divertido – desafio para os ‘palindromistas’ são as palavras e frases que, lidas de trás para a frente permanecem iguais. Por exemplo: osso, ovo, matam, mirim, radar, reviver, anilina, ele, somos, salas, sopapos; além dos nomes próprios como ana, ada, natan, rainier, otto, renner. A palavra amissíssima é o maior palíndromo da língua portuguesa, com 11 letras. É o superlativo de amiga ou amiga ao extremo.
Difíceis, mas não impossíveis são as frases-espelho: a base do teto desaba; a dama amada; a mala nada na lama; zé de lima rua laura mil e dez; a grama é amarga; arara rara; laço bacana para panaca boçal; anotaram a data da maratona; a cara rajada da jararaca; luz azul; saíram o tio e oito marias; adias a data da saída; missa é assim; ame o poema; após a sopa; roma é amor; a torre da derrota; a miss é péssima; eva asse essa ave; ódio do doido; seco de raiva coloco no colo caviar e doces.
A outra curiosidade é que números também podem ser palíndromos, mas que nesse caso, recebem um nome diferenciado: capicuas. Os exemplos mais comuns no nosso cotidiano estão nas datas: 22/02/2022 ou 02/02/2020. O próximo está distante: 21/12/2112.
Usar palíndromos em excesso – como tudo na vida – pode se tornar um incômodo. É preciso acertar a dose. Por isso, assim como minha mãe, existem pessoas que não gostam disso. Ou tem medo de palíndromo. Sabe qual é o nome do mal que sofrem essas pessoas? Aibofobia. Experimente ler essa palavra de trás para frente…
Daniel Andriotti
Publicado em 15/4/24