Às pessoas que me perguntam de onde eu sou, costumo dizer que nasci em Porto Alegre, mas saí da maternidade direto para Tapes, onde nossa família morava. Contudo, mesmo tendo um carinho especial pela Capital do Estado e a Princesinha da Lagoa, meu lugar no mundo se chama Guaíba.
Até meus sete anos, morávamos em Tapes. Eu e meus dois irmãos adolescentes estudávamos no Colégio Nossa Senhora do Carmo, que ficava a uma quadra da nossa casa e chamávamos de “colégio das freiras”; a irmã mais velha era normalista em Camaquã.
Entre as lembranças que marcaram aquela fração da minha infância, às margens da Lagoa dos Patos, estão as leituras que eu fazia das manchetes do jornal Correio do Povo, no colo do Pai, para mostrar que eu realmente havia aprendido. Também gravei na memória a imagem surreal de uma japonesa que vendia lençóis bordados para a Mãe. Ao entregá-los, fazia contas no ar, com os dedos, como se houvesse algum caderno-fantasma por ali, calculando totais e descontos.
Eu com oito anos, nos mudamos para Guaíba, trazidos pela viuvez precoce da Mãe, que nascera nestas terras e aqui ficaria perto da sua família de origem. E, de mala e cuia, nos instalamos às margens de outras águas, as do Rio Guaíba.
Lembro-me da Escola Normal Gomes Jardim, onde eu continuei meus estudos, que também ficava perto da nossa casa. E do meu brinquedo favorito, já de volta das aulas de verdade, que era ser professora das minhas bonecas, para as quais eu ensinava, com muito gosto, escrevendo com toquinhos de giz na porta do guarda-roupa. Além dos pequenos cadernos para pensamentos e poesias que eu alimentava com versos e histórias.
Eis que o destino, com sua maneira secreta de transformar seus propósitos em realidade, me mostrou um jornal como primeira leitura fora da cartilha escolar. Deixou-me encantada com os números e sua magia invisível, bem como me fez apreciadora da leitura e da escrita. Sobretudo, teve o cuidado de escolher o melhor lugar para morarmos, às margens desse grandioso Rio que virou Lago, acalmando nossos corações pela ausência paterna. E a vida me tornou guaibense de corpo e alma.
Nas conversas entre amigos, sobre viagens e lugares incríveis, faço questão de frisar que a melhor parte dos passeios é o retorno ao lar, à casa onde se vive. Para mim, estar em Guaíba, andar pelas ruas acenando às pessoas conhecidas, parar para conversar sobre essa terra que compartilhamos, apreciar o esplendor desse Lago, tudo isso é insubstituível. Porque o meu lugar no mundo se chama Guaíba.
Cristina André
Publicado em 11/10/24