Outro dia escrevi aqui nesse mesmo espaço algumas mal traçadas linhas sobre Franz Kafka, um escritor tcheco, boêmio, quase um Nelson Rodrigues. A diferença entre eles é que o brasileiro era mais debochado. Kafka, quieto, romântico, agradável; mas de uma inteligência óbvia com senso de humor seco. Era advogado, mas não foi pelo direito que ficou conhecido; e sim como um dos mais influentes escritores do século XX. Morreu jovem, aos 41 anos, em 1924, por tuberculose e desnutrição. Mas tal como Nelson Rodrigues era mulherengo e devasso. Nunca casou, nem teve filhos.
Um dia, Kafka passeava pelo parque de Steglitz, em Berlim, na Alemanha, quando percebeu que uma criança chorava muito pois havia perdido sua boneca favorita ali naquela praça. A menina e o escritor procuraram a boneca por um longo tempo, sem sucesso. Kafka, então, disse a ela que deveriam se encontrar novamente naquele mesmo lugar no dia seguinte para reiniciarem a busca pela boneca. Dito e feito. Conforme combinaram, encontraram-se novamente e, antes de retomarem as buscas, Kafka entregou à menina uma carta “escrita pela boneca” que dizia: “Por favor, não chores pela minha ausência. Fiz uma longa viagem para conhecer o mundo. Vou te escrever, ainda, muitas outras cartas assim como essa sobre as minhas aventuras”.
Começava ali, uma história que continuou até ao fim da vida de Kafka. E assim, durante três semanas, Kafka entregava pontualmente à menina outras cartas que narravam as peripécias da boneca em todos os cantos do mundo: Londres, Paris, Roma, Madagascar… Tudo para que ela esquecesse a grande tristeza da perda. Lia as ‘cartas da boneca’ cuidadosamente escritas e se encantava com a narrativa das suas aventuras. Até que um dia, finalmente, Kafka comprou uma boneca e entregou à menina. “Mas não se parece nem um pouco com a minha boneca”, disse ela. Kafka então entregou-lhe uma outra carta onde a boneca dizia: “Minhas viagens me transformaram!!!”. A menina abraçou a nova boneca e voltou radiante de alegria para casa.
Algum tempo depois, Kafka morreu. Passaram-se os anos e a menina, já adulta, por uma casualidade foi mexer na boneca e encontrou uma cartinha dentro. No bilhete, assinado por Kafka, estava escrito: “Tudo o que você ama provavelmente será perdido um dia. Mas no final o amor voltará de outra forma”.
Se fosse hoje, Kafka provavelmente seria enquadrado como pedófilo. Mas é sempre bom refletir sobre isso diante das nossas perdas e frustrações. A pandemia fatalmente fez com que nosso encantamento pela vida estivesse na mesma condição da ‘perda da nossa boneca’. Mas sem cartinhas para nos consolar…
* * *
Geração ‘mimizenta’, ranzinza, de chuteiras coloridas, cabelos exóticos, tatuagens, muitas teorias de escolinhas com quadras de piso sintético, empresários, procuradores, CBF corrupta e incompetente… Eis alguns dos principais ingredientes para a receita de tantos fracassos do futebol brasileiro nos últimos 24 anos. Dentro e fora do país.
Romário fazia orgias na concentração. Não treinava, saía no soco com torcedores. Na hora do jogo, resolvia. Ronaldo Nazário, acima do peso, joelhos estourados, confusão com travestis, mas metia gol de tudo o que era jeito e ganhou duas Copas do Mundo. Ronaldinho Gaúcho, o melhor de todos. Cachaceiro, cabelo horrível, dentuço, só brincava nos treinos. Na hora do jogo, driblava até o juiz e fazia gol de costas. Adriano Imperador, funkeiro de morro, fotos com fuzil, amigo de traficantes. No jogo, destruía.
E agora temos Joelinton, Richarlisson, Malcom, Rodrygo…
Definitivamente a bola não é mais nossa.
Daniel Andriotti
Publicado em 23/6/23