Há uma onda de combate aos preconceitos, de todos os tipos, que me comove. Porque a vida de cada pessoa é simplesmente a vida de cada pessoa, é de todos nós o dever de respeitar essa prerrogativa, assim como é nosso o direito de sermos respeitados. Mas ainda existem senões que envolvem muitos dos defensores da tolerância às diferenças.
Dia desses, ouvi comentário, feito por um fervoroso ativista contra a homofobia, que destratava de uma pessoa de poucas posses, classificando os serviços prestados por ela como atividades de menor valor na escala social. E, com naturalidade, falando sobre a escolha feita de direcionar sua atenção para quem aparentasse maior poder aquisitivo, que estivesse alguns degraus acima na pirâmide econômica. Surpreendida, imediatamente lembrei de outra manifestação.
Uma amiga me relatou que, em conversa informal com um casal de conhecidos, ambos afrodescendentes e costumeiros militantes contra o racismo, lhe perguntaram quando ela iria emagrecer, que não era de bom tom estar acima do peso, havia dificuldade para encontrar roupas bonitas. E que, além disso, tinham certeza de que ela era doente, porque os mais pesados sempre são. Ao responder que se cuidava, gozava de boa saúde e sentia-se bem como estava, teve como resposta um deselegante e firme “não acredito, é desculpa de gente gorda”, e se despediram. Estranhei, então pensei em outra situação.
Certa vez, em sala de espera para tratamento estético, uma jovem paciente que faria uma lipoaspiração folheava revista com modelos magérrimas e visuais à frente do seu tempo, encantada e afoita por fazer parte daquela esbelta modernidade. Eis que, de repente, chamou sua atenção uma mulher negra, rica e famosa, ter pintado os cabelos. E não se conteve nos comentários sobre a bobagem dela querer se exibir com mechas loiras, escondendo a marca registrada da sua raça. Foi quando uma senhora lhe questionou, com serenidade, sobre qual seria a razão de todas as mulheres terem a permissão social de alisar, encrespar, pintar, enfim, de fazer o que bem entendessem com seus cabelos, exceto as afrodescendentes. E a jovem não soube explicar, vejam só. Eu pensei em outros casos.
Lembrei de comentários pejorativos de adultos jovens estigmatizando adultos maduros, que, por sua vez, desconsideram as mudanças positivas possíveis com os mais novos. E de diversos outros tipos de preconceitos, alguns carregados de uma perversidade que não consigo compreender. Como fazer piada com problema de saúde enfrentado por alguém, caso recente que mexeu com os nervos do ator Will Smith, na cerimônia de entrega do Oscar; perdeu o controle pelo sofrimento de sua mulher e de outras tantas, agindo em desarmonia com suas convicções.
Cada pessoa é única, é de todos nós o dever de respeitar essa prerrogativa, assim como é nosso o direito de sermos respeitados como tal. A nova onda que chega, que me comove ainda mais, é de pararmos de agredir e começarmos a proteger uns aos outros.
Cristina André
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Publicado em 1/4/22