Certa vez, ouvindo depoimentos de jovens estudantes que foram vítimas de “bullying” em suas escolas, me surpreendi com a constatação de que alguns deles eram psicologicamente maltratados por um grupo de colegas pelo fato de serem bons e de bem com a vida. Dedicavam-se aos estudos, eram alunos educados, filhos preocupados, netos amorosos.
Impressionada com os relatos, lembrei de algumas vezes em que passei por situações semelhantes, já na vida adulta. Do constrangimento que me pegou de surpresa ao ter sido destratada com palavras e gestos porque agi com honestidade; ou pelo fato de me mostrar solidária com alguém que precisava de ajuda, ter dado atenção a quem muito carecia dela; ou por parecer feliz na companhia da família.
O termo inglês “bullying” surgiu de “bully”, traduzido ao português como “tirano, brigão, valentão”, para se referir a um tipo de gente sempre disposta a colocar apelidos desagradáveis nos outros, a se divertir humilhando as pessoas. O colega gordinho, a prima estudiosa, o vizinho que gagueja, a mulher de óculos com lentes grossas, a senhora que anda devagar, o guri ruim no futebol; qualquer detalhe no visual ou no jeito de ser alheio pode ter serventia a quem foca em causar sofrimento nos outros. Eu mesma já passei por situações bizarras de “bullying”.
De férias em uma pequena praia gaúcha, a chuva nos inspirou a passear na cidade vizinha para visitarmos uma livraria. Entramos na lotação, eu e minha filha, paguei as nossas passagens e sentamos. Ao notar que havia recebido troco a mais, levantei e devolvi o dinheiro ao cobrador. Foi quando ouvi risos e piadinhas sem graça de um grupo de passageiros. E o “bullying” seguiu pelas janelas do veículo, nós duas já na calçada.
Em outra ocasião, demonstrando tristeza e preocupação pela dificuldade financeira em que uma mãe de família se encontrava, comentei com uma conhecida sobre ajudá-la, quem sabe lhe auxiliando a encontrar algum trabalho. E ouvi o seguinte comentário como resposta: “Tu és boazinha demais para o meu gosto. Detesto gente boazinha”. E fez questão de repetir aquilo várias vezes.
Mas outros dois casos de “bullying” verbal que sofri tempos atrás foram piores. Um deles, por ter dito que gostava de trabalhar. Por incontáveis manhãs, ao chegar no ambiente profissional, lá vinha a piada de mau gosto sobre a estranheza da minha declaração de que é bom trabalhar. O outro era praticado com frequência por uma mulher que conhecíamos, de coração amargurado e sempre se queixando. Cada vez que ela me via de alto astral, em companhia da família, tratava de comentar de forma agressiva: “Eu vi vocês esses dias. Me dá um nojo ver vocês de sorrisinhos, sempre juntos, não sei por quê”.
Certa vez, depois de ouvir depoimentos de estudantes, lembrei de algumas situações pelas quais passei e concluí que a prática de “bullying” também acontece contra os educados, os estudiosos, os inteligentes, os bons e os de bem com a vida.
Cristina André
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Publicado em 05/5/23