Na mitologia grega, Ícaro era filho de Dédalo, um hábil arquiteto e construtor. Ambos foram enviados para o exílio na ilha de Creta, onde o rei Minos acusou Dédalo de ter auxiliado Ariadne a libertar Teseu de um labirinto que ele mesmo havia construído para que o Minotauro – uma criatura lendária com corpo de homem e cabeça de touro – ficasse preso. Como punição, pai e filho foram enviados para esse labirinto. Dédalo sabia que morreriam naquele lugar. Então pensou num plano de fuga: produzir dois pares de asas, um para ele e outro para o filho Ícaro, a fim de que pudessem escapar voando. Para tanto, utilizou madeira e penas de pássaros coladas na estrutura com cera de abelha. Antes de ‘decolar’, Dédalo alertou o filho sobre o vôo caso quisessem escapar com vida: Meu filho – disse ele – recomendo-te que te mantenhas a uma altura moderada pois, se voares muito baixo, a umidade emperrará tuas asas e, se voares muito alto, o calor do sol as derreterá. Conserva-te perto de mim e estarás em segurança.
Mas Ícaro não seguiu o conselho do pai. Voou cada vez mais alto, atraído pela beleza do sol. A alta temperatura fez a cera derreter, levando-o a uma queda fatal. Depois de um tempo de procura, Dédalo encontrou o corpo do filho em uma praia, sentindo-se eternamente responsável pela sua morte.
Há 15 anos, o Brasil e o mundo assistiram – perplexos – a uma das maiores insanidades da história: o padre Adelir Antônio de Carli, na época com 41 anos, decolou no litoral do Paraná para um vôo sem volta. Isso porque o veículo que ele escolheu para essa aventura trágica foi uma cadeira suspensa por um agrupamento de balões de aniversário, inflados com gás hélio. Militante da Pastoral Rodoviária e munido apenas de sua fé em Deus, o objetivo do Padre de Carli era chamar a atenção para a necessidade de financiar as obras de uma espécie de hotel para caminhoneiros, um espaço de descanso para motoristas que passavam pela cidade portuária. Seu corpo foi encontrado no mar do Rio de Janeiro, três meses depois, a 100 quilômetros da costa.
Semana passada o planeta voltou a presenciar uma nova atitude surreal, digna das piores ideias da humanidade: cinco pessoas, sedentas em desvendar mistérios fascinantes, resolveram entrar num pequeno veículo tripulado e – em tese – projetada para operar debaixo d’água. Sabemos agora que se tratava de uma engenhoca batizada de Titan e distante de ser (re)conhecida como um subversível. Mesmo assim partiram – depois de pagarem cada um algo em torno de R$ 1,25 milhão de reais – para uma viagem de oito dias a fim de ‘vislumbrarem’ e se ‘deslumbrarem’ com os destroços do mais icônico navio naufragado da história: o Titanic, que repousa desde 1912 a quatro mil metros no fundo do mar – e que levou consigo mais de 1500 vidas – na sua primeira e única viagem.
Mas afinal, o que move o ser humano a ignorar aspectos vitais e obscenamente seguros na sua ânsia de aventurar-se por lugares inóspitos e em condições extremamente adversas que a natureza propõe a todo momento? Ícaro e seu pai precisavam fugir de um cativeiro. O padre brasileiro, queria dinheiro para uma obra social. Os cinco norte-americanos tinham dinheiro de sobra, mas optaram por gastá-lo perigosamente. Correr riscos faz parte da natureza humana e o medo pode ser um elemento essencial para a sobrevivência, uma vez que ele induz às precauções necessárias para o aumento das chances de sobrevivência. No entanto, a maioria das pessoas não é capaz de avaliar o risco de forma apropriada. A vida é um sopro. É preciso clareza sobre tudo que pode dar errado. Se você é um desses, caro leitor, cuja adrenalina é incontrolável, faça perguntas, pesquise os riscos potenciais, ouça os mais experientes e não tente fazer algo que você seja incapaz ou não tenha o equipamento adequado. Tudo o que Ícaro, o padre de Carli e os cinco ocupantes do Titan, não tinham.
Daniel Andriotti
Publicado em 30/6/23