O turbilhão de informações disponíveis nesse mundo globalizado é parte daquilo que nos orienta a tomar decisões na vida. Ruim com elas, pior sem. O problema é filtrar o que é verdadeiro do que pode ser fatal. O mundo perdeu o controle sobre as fontes de toda e qualquer tipo de informação. Bem antes do Covid, já tínhamos sido infestados por um outro vírus tão letal quanto, chamado fake news. Sintomas? A divisão de um todo em duas partes: certo e errado, direita e esquerda, frio e calor, preto e branco, azul e vermelho, mentira e verdade, nós e eles, vida e morte…
Muito provavelmente você já ouviu a expressão ‘plano maquiavélico’. Pois bem, o italiano Nicolau Maquiavel foi um filósofo, historiador, poeta, diplomata e… estigmatizado pela heresia: seu pensamento era prático e efetivo, do ponto de vista político e militar, não gratuitamente maldoso como as frases atribuídas a ele. O termo ‘maquiavélico’ virou rótulo de ardiloso, astuto; pessoa que não se importa com os meios usados para atingir seus objetivos. Algumas de suas célebres frases que mais me impressionam são:
“Quando você tiver de fazer algum mal a alguém, faça-o todo de uma só vez. A dor será intensa, mas apenas uma. Já o bem, faça-o em parcelas. O favorecido ficará alegre e grato a você várias vezes”;
“O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta”;
“Os homens quando não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição”;
“Tornamo-nos odiados tanto fazendo o bem como fazendo o mal”;
“Como é perigoso libertar um povo que prefere a escravidão!”
Depois que terminar de ler esse texto, volte nesse terceiro parágrafo e releia essas cinco frases de Nicolau Maquiavel para que você compreenda aonde eu quero chegar. Mas é sobre essa última afirmação dele que eu quero falar agora. A escravidão por aqui – cruel e desumana – começou cedo: 1530. Ou seja, três décadas depois da chegada dos portugueses. Sim, os indígenas foram usados como mão de obra gratuita. Depois a coisa se ‘profissionalizou’: foram ‘importados’ negros africanos que chegavam de navio por meio do tráfico, para trabalho forçado no plantio da cana de açúcar. O resto dessa história todo mundo já sabe. Alguns estudos mostram inclusive que a pobreza, a violência e a discriminação que afetam os negros no Brasil ainda são um reflexo direto de um país que normalizou o preconceito contra esse grupo e o deixou à margem da sociedade. Mas esse é um assunto bem mais profundo e complexo.
A expressão ‘trabalho análogo à escravidão’ pautou os noticiários nos últimos dias, principalmente em notícias que chegavam da serra gaúcha, embora a região norte do Brasil seja a responsável pela maior quantidade de registros dessa natureza. Não sou ingênuo de pensar que as vinícolas gaúchas realmente não sabiam de absolutamente nada. Isso precisa ser muito bem investigado porque o mundo é movido por interesses, que Leonel Brizola pronunciava ‘interésses’, com acento agudo no ‘e’. Por isso, repito a frase que escrevi lá no início: nesse turbilhão de informações que nos atinge a todo momento, nosso grande desafio é filtrar o que é verdadeiro do que pode ser fatal.
Sabemos de casos semelhantes – ou até piores, se é que isso seja possível – nas colheitas de cana no interior de São Paulo, assim como nas lavouras de Cacau, no Pará. Mas nunca se ouviu falar que os fabricantes de açúcar e de chocolate que esses produtos abastecem com matéria-prima fossem criminalizados. No sul, coniventes ou não, as vinícolas tradicionais e centenárias tiveram seus patrimônios desglamourizados sem dó nem piedade. A quem isso interessa? A sociedade consumidora? Sim, mas não somente. Precisamos ser menos ingênuos e mais ‘maquiavélicos’ nesse tipo de informação…
Daniel Andriotti
Publicado em 24/3/23
Parabens pela matéria! Adaptando o “Discurso Minissaia”, eu diria que foi Curto
para chamar a atenção, mas cobriu todas as partes. Muito bem colocado, aliás, suas colunas são muito interessantes.