A Linguagem do Futebolês

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Essa entidade chamada futebol mudou – e muito – nos últimos anos. Isso até quem não gosta dela sabe bem. Até porque vivemos no país do futebol, ainda que ele não tenha sido inventado aqui, somos o único que conseguiu conquistar cinco Copas do Mundo e o rei era nosso conterrâneo. No entanto, mesmo para aqueles viciados, que assistem pela TV todos os jogos das séries A, B, C e D; do sub-15 ao master; da várzea à Champions League, a linguagem do futebolês precisa ser atualizada a cada semana tamanha é a quantidade de termos e curiosidades que giram junto com a bola.

Então vamos lá: as expressões mais simples e manjadas já não nos confundem mais. Isso porque fomos nos acostumando, ao longo do tempo com jargões do tipo jogo ruim é pelada; escanteio é corner; lateral é arremesso; estádio cheio é caldeirão. Pressão é ‘abafa’, zagueiro virou o abrasileirado beque (do inglês back); lateral é ala, bandeirinha é assistente, impedimento é banheira, ninho da coruja (ou onde ela dorme) é o ângulo. O esquema tático, antes o tradicional 4-3-3. Mas depois do carrossel holandês da Copa de 74, tudo pode acontecer: 4-4-2; 3-5-2; 4-2-3-1 e por aí vai…

No entanto, o futebolês digamos assim ‘mais moderno’ já tem significados que podem soar estranho para quem não é do ramo. Começando pela imprensa, que não joga mas ajuda a confundir as expressões: comentarista (tem até de arbitragem) é analista e comentário virou resenha. Antes, o jogador era entrevistado em qualquer lugar: dentro do campo, no vestiário, tomando banho… Agora é apenas na ‘zona mista’ ou na coletiva, em frente ao banner com a logomarca dos patrocinadores e de acordo com a escolha e a orientação do assessor de imprensa. Do clube ou do jogador…

Voltamos aos termos: dirigente é cartola. Balãozinho é chapéu. Drible é finta. Distensão muscular agora é ‘desconforto’. Marcação: encurtar o espaço. E se essa marcação for sob pressão na saída de bola é ‘linha alta’. Passe virou assistência. Três dedos é trivela. Drible é costura. Entrada dura é conduta desleal. Janelinha é caneta. Cera é sinônimo de catimba. Afastar a bola da área é espanar mas chutar lá na arquibancada é isolar. Meia lua: drible da vaca. Falta em dois toques é tiro livre indireto. Pipoqueiro é jogador que vacila ou ‘amarela’. E tem a infiltração, a segunda bola, chute mascado, subir no terceiro andar, superioridade numérica…

Quem também não ajuda na compreensão do futebolês são alguns técnicos. Que tal a expressão “amplitude e temporização dos extremos desequilibrantes”, dita várias vezes por Tite enquanto treinador da Seleção Brasileira. Ou então “a transição defensiva contrária à transição ofensiva lenta e gradual de um time que sai jogando com passes curtos e vai progredindo pelos quadrantes?”

Os números das camisetas também passaram por mudanças drásticas. Antes, era do 1 ao 11; do goleiro ao ponta esquerda. Os suplentes começavam pela 12, que era o goleiro reserva. Hoje, a 12 é a do ‘arquibaldo’ (o décimo segundo jogador. Aquele que fica na arquibancada, gritando). Agora tem titulares usando a 35, a 84, a 99 pelo simples fato que algum episódio marcou aquele número na carreira do jogador. A 10 continua sendo a 10. A diferença é que antes, para vestir a 10, tinha que merecer… tinha que ser um “fora da curva”. Hoje qualquer ‘perneta’ ou ‘pé murcho’ usa a 10. E existe um princípio básico do futebol: jogador ruim quase nunca se machuca. E por não se machucar, ele entra em campo sempre que não pode. Por isto deve ser dispensado, ou ele vai prejudicar o time num momento decisivo. Querem exemplos, leitores? Melhor não…

 

Daniel Andriotti

Publicado em 16/6/23

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