Otto Adolf Eichmann era um austríaco, o mais velho de uma família de cinco irmãos. Homem simples, sem qualidades ou defeitos incomuns. Porém, tornou-se tenente coronel da Alemanha nazista e, por consequência, um dedicado operário de Hitler na tarefa de organizar o holocausto durante a segunda guerra mundial. Sua função específica: administrar o transporte de judeus rumo aos guetos e campos de extermínio das zonas ocupadas pelos alemães no leste Europeu. Enquanto pôde, fez isso com extrema eficiência. Quinze anos após o fim da segunda guerra mundial, Eichmann, com então 56 anos, foi capturado pela Mossad (Serviço Secreto de Israel) em Buenos Aires e levado à julgamento em Jerusalém, onde foi condenado e enforcado por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
A morte de Hitler e a consequente queda do nazismo não impediram que o entusiasmo de Eichmann na sua ‘digna função’ passasse despercebido pela história. Isso porque a filósofa Hannah Arendt (1906-1975), uma das mais influentes judias do século XX, nascida na Alemanha mas que por motivos óbvios, teve que emigrar para os EUA, conseguiu traduzir para a literatura o que se passava na mente daquele ‘eficiente’ militar nazista: seu objeto empírico foi a ‘banalidade do mal’.
Lembrei desse contexto triste por entender que o mal está sempre muito próximo das pessoas comuns. E foi observando a banalização da maldade que a filósofa Hannah Arendt concluiu que, entre outras coisas, o extermínio dos judeus na Europa não seria possível sem a participação complacente do próprio povo judeu. Traduzindo: o povo, principalmente a casta que não tem o poder de decisão, de alguma maneira sempre é complacente quando alguém propõe o seu sofrimento.
Como militar e gerente de logística, Eichmann jamais matou alguém, apesar da plena consciência do destino daqueles que enviava aos campos de extermínio. Ele era o meio, nunca o fim. Talvez tivesse convicção da maldade dos seus atos, mas não se importava com isso porque sua preocupação não estava relacionada à morte de crianças ou idosos, mas sim se o espaço nos vagões dos trens estava sendo ‘adequadamente’ preenchido, otimizado e deslocado no tempo e nas horas programadas para saídas e chegadas ao destino.
Hoje, o Brasil está cheio de Otto’s Eichmann’s. São militares, desembargadores, juízes, promotores e políticos dos mais diferentes partidos de todas as ideologias à serviço do sistema. Cumprirão suas ordens com diligência, ficarão em silêncio por defesa própria e sentirão orgulho pelos bons serviços prestados à nação. Cúmplices de tudo, nossos Eichmann’s de todos os cantos do serviço público farão o melhor para manterem seus salários, o conforto das suas famílias, suas garantias e seus privilégios sem se preocupar com quem está na linha de extermínio. A diferença – em relação à atividade de Eichmann – é que aqui, não há condenações, nem crimes lesa-humanidade, muito menos execuções por enforcamento. E se algum intelectual ‘se meter’ a pesquisar o que está sendo colocado em prática, tal qual a filósofa Hannah Arendt fez na Alemanha, poderá ser ‘convidada a se retirar do país’ diante da atual linha de censura adotada por quem não gosta de ser citado em pautas negativas. E caso aconteça de aparecer uma espécie de Hannah Arendt por aqui para desenvolver uma tese do tipo “A Banalidade do Mal – Parte II”, tomara que ela não viaje de avião para esse exílio…
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Gauchão e Big Brother. Até que enfim o ano mostra as suas armas: sinais de que o sofrimento também vem em meio às férias. Já vai longe o tempo em que tudo o que era ruim só começava em março…
Daniel Andriotti
Publicado em 27/1/23